Escrito por jornalista Caroline P. Colombo
Não raro ouvimos a frase: o nosso trabalho é solitário. A questão está além da observação pura e simples do desenvolvimento da atividade. Quando encontramos um Oficial de Justiça, com sua pasta surrada, olhando para a numeração das casas à procura do número indicado, numa tarde de sol escaldante, numa rua totalmente deserta, pensamos que aí está a solidão. Porém ela está noutro lugar, escondida nos recônditos mais profundos do sujeito, em sua alma.
Não por vontade do trabalhador, mas pela natureza da atividade, sua aridez, durante a execução do ato judicial. Vemos, naquele momento, o sofrimento das pessoas demandadas, seus rostos tristes, seus choros, suas angústias e desespero. Lá na universidade, quando o direito é posto, tudo é visto como a solução dos conflitos. Os operadores do mundo jurídico, do qual fazemos parte, embrenham-se por teorias e axiomas que tentam a priori conceber fórmulas que sustentem situações fáticas variadas, mas na frieza da tese não se vê o rubor, o semblante arrasado daquele que quedou vencido. Os que efetiva a norma do mundo real deparam com conflitos não exprimidos na ciência jurídica. A dor humana.
Evidentemente a necessidade da paz social exige o estabelecimento da ordem, mesmo que desagrade alguém, mas isso não nos livra de participar das agruras da cena, porque na realidade, quando o direito é aplicado, não há como se afastar totalmente e agir com insensibilidade.
Indaga-se: e o prazer na atividade, existe? Poderíamos percorrer vários caminhos para responder a esta questão, passando pelo sentido último de justiça, bem como por teorias filosóficas que tentam explicar a felicidade humana, desde a teoria da utilidade de Epicuro ao utilitarismo de Stuart Mill. Da racionalidade socrática ao questionamento nietzscheniano, mas a resposta está próxima, na simplicidade da percepção de que somos importantíssimos na realização juridico-social, principalmente, por estarmos na linha de frente, entrincheirados, lutando pelo ideal pacificador.
Buscamos forças e mantemos a aparente imparcialidade, tornamos real o que até então não passava de criação mental, de segunda natureza. Transpomos do plano abstrato para o concreto. E para fazermos isso precisamos ser capazes, criativos, artistas, no sentido literal da palavra, pois o papel requer sabedoria. Assim, quando realizamos o trabalho com qualidade, com respeito, de forma humanitária, transmitindo à parte tranquilidade para aceitar a situação, sentimo-nos realizados, por um breve momento que seja. Provavelmente aí esteja o sentido de nossa labuta.
Quanto à solidão, bem, é outro caso, parece que teremos de carregá-la conosco, adaptarmos às suas exigências, fazer dela uma companhia, mesmo que desagradável, capaz de nos impulsionar a sermos cada dia melhores naquilo que fazemos.
Geraldo Mota – Oficial de Justiça
Texto publicado no Longa Manus de Junho de 2010.
fonte: AOJUS DF